O Defunto que devia
Ângela Lago
Na manhã seguinte, quando os cobradores chegaram, encontraram o moço de olhos fechados, todo vestido de preto, quietinho, deitado em cima da mesa.
— Coitado, perdeu mais do que qualquer um de nós — eles disseram, e foram embora.
Mas um sapateiro muito sovina, a quem o moço devia um real, não quis saber de perdoar a dívida. Ficou na casa, à espera dos parentes, para cobrar de quem pudesse.
O moço lá, se fingindo de morto, e nada de parente nenhum chegar. Mesmo porque morto pobre não tem parente. Acontece que o sapateiro, além de pão duro, era cabeça dura, e não arredou o pé. Queria seu real,.
Escureceu, uns ladrões passaram por perto, viram a porta aberta, a casa em silencio, e decidiram entrar. O sapateiro só teve tempo de se enfiar debaixo da mesa.
— Era defunto desgraçado, não tem uma alma velando por ele! — Comentaram os ladrões.
E aproveitaram para dividir umas moedas que tinham roubado. Sobrou uma, e um ladrão propôs:
— A moeda é do primeiro que enfiar uma faca no peito do morto! O defunto reviveu na hora e desandou a gritar:
— Ui ui ui!
— Ei ei ei! — O sapateiro escutou o morto gritando e, lá debaixo da mesa, também desandou a berrar.
— Quando os ladrões viram o morto gritar e escutaram aquela voz responder, saíram em correria, deixando o dinheiro para trás.
— Já iam longe quando o mais valente deles, pensando e repensando nas lindas moedas, tratou de convencer os amigos a voltar:
Voltaram. A essa altura o ex-morto já estava dividindo a fortuna com o sapateiro. Quando os ladrões chegaram perto da casa, escutaram o tilintar das moedas sendo repartidas e...
— E o meu real? E o meu real? — era a voz do sapateiro lembrando da dívida. — E o meu real?
— Ai ai ai! São muitas almas! — gritaram os ladrões — O dinheiro nem está dando!
— E desapareceram de vez, estrada afora.
Vamos esperar o setset chegar?
Meu tio vinha de uma longa viagem, perto de Bom Despacho começou uma tempestade horrorosa. Por sorte – ou por azar – ele viu uma casa abandonada. Entrou, sentou num canto para esperar a chuva passar, e como estava muito cansada, adormeceu.
Foi acordar no meio da noite com um bode bafejando na sua cara:
--- Então?
Vamos esperar o Sestset chegar?
--- Vamos ! – Ele respondeu por responder, seguro de que estava sonhando. E já ia caindo de novo naquele sonho bom quando escutou outro bode entrar pela casa:
--- Oba! Vamos começar?
---- Não, Dodô! Nós vamos esperar o Sestset chegar.
---- Só posso estar sonhando – O tio se tranqüilizou.
Nisso, entrou outro bode:
---- Então, vamos começar?
---- Calma, Tretrê. Vamos esperar o Sestset chegar? – Disseram os que já estavam lá.
E antes que meu tio tivesse tempo de perguntar se aquilo era mesmo um sonho...
---- Vamos começar? – perguntou mais um bode, com água na boca.
---- Ainda não, Quaquá! Vamos esperar o Sestset chegar! – responderam todos juntos.
Ai meu tio acordou de vez, abobalhado de pavor, e viu entrar mais um, e mais outro.
---- Vamos começar? – perguntaram ansiosos, lambendo os beiços.
---- Ainda não, Cincin e Seisei. Vamos esperar o Sestset chegar? – a turma respondeu.
Quanto nome esquisito, pensava o tio, com o resto de pensamento de que ainda era capaz. E, para suportar o medo, começou a contar nos dedos:
---- Depois do primeiro entrou Ddô, depois Tretrê, depois Quaquá, Cincin, Seisei... Já são seis com Seisei!!!
---- Ele finalmente atinou.
---- Minhas desculpas ao Setset, mas não vou esperar não! - Berrou meu tio, pulando a janela. E sumiu no mundo, deixando a gente sem um final direito para esta história.
Angela Lago